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WALL GAMES: ONE2ONE

 

Inauguremos o jogo. Tábua rasa onde a premissa se governa por uma única regra mas que se coreógrafa num pacto de leis camufladas de paridade. A estratégia eleita não se conhece ao certo, nem quem são os aliados, quem joga, quem está a jogar e quais os benefícios reais. É jogo de um para um, propõem os autoproclamados autores, mas a cooperação de um terceiro jogador móvel, o público, é imperativa. Aquele que comparece, o que soma as partes, o que baralha e dá novo sentido. Como que um inspector que cria prova, a narrativa da tradução, que advoga e coroa com o seu juízo final. 

 

Dois jogadores são soberanos, P1 (Player1) e P2 (Player2). Arquitectam a trama de abstracção kafkiana repleta de cenários mutantes. As partes não demostram contenção no uso da forma para que o bem comum seja norma. Neste espaço geográfico de galeria, deposita-se o vírus das mesmas questões e não soluções cíclicas, contaminadas por iguais ideais. Neste campo de acção a pintura propaga-se em vectores sequenciados que transportam o genoma encriptado. Uma brincadeira permite à abstracção incluir nela tudo o que não compreendemos. São camadas de conhecimento ético, estético, espiritual, social, pessoal e afins que circunscrevem a ignição do entendimento desta conjuntura. Os níveis de interpretação das regras e a leitura do alvo abstracto, são vivências em estado líquido, dependem do jogador móvel, sendo o seu desfecho subjectivo e ambíguo tal como o carácter da proposta. A memória intelectual, mas sobretudo emocional, é convertida na abstracção como forma de solucionar o que não se conhece. Arruma-se a não função das coisas tornando-as utilitárias, efectivas e até reconhecíveis mas isentas de assinatura factual. 

 

Mas falemos de paredes. Recordemos as paredes do nosso lar e aquele quadrinho indiscreto onde reiteradamente se assiste à destruição do ambiente sem aviso. Traçam-se linhas de fogo no esconde-esconde dos trilhos vida. Assistimos a corpos que procuram refúgio, que procuram casa mas encontram detonadores de almas. E nós, atestados de reflexos HD, espiámos como se de jogos de papel e caneta se tratassem, instantâneos que se riscam com a acessível pressão de indicador que comanda o “P” e atinge o alvo da Passividade ou o Passemos à frente munindo assim o fim (quando os mansos dão a perceber o quão bons somos.)

Nas frentes virtuais erguem-se outras paredes, as que alapam horizontais redigidas em tom de respeito. São campos de batalhas ou pistas de dança, dependendo de como cogitamos o outro. Raramente é batalha abertacampal, mas sim um manipular de interesses ocultos na cilada das boas intenções... 


Todos os jogos politicamente desleais são baseados num Ministério da Verdade, o poder que obscurece  existência através do império financeiro virtual que alimenta o plano primário da subsistência, a ilusão do absoluto

Eu, Eu, Eu quero, posso e mando. Verbos defeituosamente conjugados desde sempre, lidos e sabidos na primeira pessoa. Uma marcha de criaturas ávidas de montras que os exibam. Reduz-se tudo a um ponto, uma forma, uma perspectiva. É como se o tamanho restrito das roupas circunscrevessem a infinidade dos nossos espíritos e trasladassem empatia para bolsos onde a luz não entra por força dos fechos apinhados de dentes que prendem ambos os lados, e em vez de correrem para se abrirem a doar, cicatrizam-se, não vá perdermo-nos na dor dos outros. Assim é a maioria dos jogos. O resultado do jogo depende do quão estamos apartados ou cercados emocionalmente. O nosso intelecto considera saber a prática, a tal estribada em factos. Mas o que são factos? Que mente os pactuouRebentou da mente que mente, ou da que se desapegou para avaliar o cenário total? Os factos são evidências que não podem estar  subordinados  a nenhum interesse ou o facto deixa de o ser.

 

A abstracção, o meio talvez menos óbvio por não ter a carga gráfica da imagem descritiva mas que reúne a competência de abraçar todos os cenários, de ver além sem inventariar, pretende gerar questõesricochetes. Lembremos, o jogo coexiste na sua composição tendo um mecanismo transversal a todas as perversões, mas também soluções. Tudo o que é contém Regra. A complexidade de interesses de muitos dos conflitos torna-se pouco clara uma vez que conserva sempre a parte abstracta de todas as regras, o espaço onde nos escapamos das mesmas. É nesse espaço de manobra que se cria o desequilíbrio do jogo. A excepção que confirma a regra confunde-se com o desrespeito da mesma. A Regra aparenta obstáculo à criação, mas é facto que aquando do seu domínio opera enquanto rede invisível que soluciona a obra. Não exclusivamente a obra artística; também a obra no seu vasto plano existencial. A resolução emerge do sentido de fantasia que ultrapassa as limitações físicas e nos eleva à imparcialidade que congrega a inteireza de todas as partes.

 

No fim são as batalhas campais que ficam, as que acontecem dentro de nós, num mesmo território onde há um reconhecimento do lugar, onde tudo se desvenda dentro. Aí, a batalha converte-se em missa e o altar improvisado ocorre por força da subsistência interior. A alma recupera-se a si mesma. Tudo o que nos rodeia nos pertence, é parte de nós, é peça fundamental do nosso não jogo. É o ponto onde não há jogo, é vida na sua suprema e pura manifestação, forma sem modas nem favores. Quando alguém perde somos todos nós, individualmente, que perdemos... Que as nossas acções sejam sempre regidas por um só jogo, o do interesse comum, da verdade. A ética e a estética têm a mesma harmonia e o belo e o bom são o espelho da proporção da Regra única.

 

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(Texto produzido em parceria com Rui Tavares no contexto da exposição conjunta 'Wall Games: One2One' na Galeria Sete. Coimbra)

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